
Supremo considera que «havia fortes indícios» de que Paulo Pedroso praticara abusos sexuais e diz que houve pressões do PS para perturbar o processo
'Havia fortes indícios' contra Paulo Pedroso
Supremo Tribunal de Justiça conclui que a prisão preventiva do ex-dirigente do PS no processo Casa Pia, em 2003, foi bem decidida
Ana Paula Azevedo
HAVIA «fortes e consistentes indícios» da prática de abusos sexuais de jovens da Casa Pia por parte de Paulo Pedroso e foi correcto o juízo feito pelo juiz de instrução Rui Teixeira, de que era «bastante provável» nessa altura que o então número dois do PS viesse a ser condenado em julgamento. Além disso, «a prova produzida evidencia» que altas figuras do PS fizeram uma série de «diligências» que perturbavam o processo e pressionariam as testemunhas.
As conclusão é dos juízesconselheiros Azevedo Ramos, Silva Salazar e Nuno Carneira, do Supremo Tribunal de Justiça, que no passado dia 22 absolveram o Estado de pagar qualquer indemnização a Paulo Pedroso pelos quatro meses de prisão preventiva que cumpriu em 2003.
A decisão foi tomada no âmbito da acção judicial que Pedroso moveu contra o Estado, em 2004, invocando ter sido vítima de «prisão ilegal». Isto porque, alegava, o juiz de instrução Rui Teixeira cometera um «erro grosseiro» na apreciação das provas do processo e na ordem de detenção e prisão preventiva. Pedroso seria libertado depois, por decisão da Relação de Lisboa. Em Agosto de 2008, e numa decisão juridicamente controversa, a 10.ª Vara Cível de Lisboa deu-lhe razão e condenou o Estado a pagar-lhe 131 mil euros de indemnização.
Esta sentença foi objecto de recurso do Ministério Público e acabou por ser revogada pela Relação de Lisboa, em Junho de 2010. Pedroso recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
A mais alta instância judiciária do país analisou todo o caso - desde os testemunhos dos jovens que acusaram Pedroso à decisão de Rui Teixeira, os motivos da sua libertação, a acusação do Ministério Público (de 23 crimes de abuso sexual) e o despacho de não pronúncia.
Logo à partida, os conselheiros notam que a sua avaliação do caso reporta-se ao momento em que a prisão preventiva foi decidida. Ou seja, «é irrelevante o facto de o arguido, mais tarde, ter sido objecto de não pronúncia pelos crimes de que se encontrava acusado». Aliás, salientam , o facto de Pedroso não ter sido pronunciado e levado a julgamento apenas se ficou a dever ao «princípio in dubio pro reo», devido a «dupla e insanável dúvida».
Perturbação do inquérito
Depois de tudo visto e apreciado, os juízes do STJ concluem: «Todos estes elementos conjugados, nomeadamente os depoimentos destes menores, identificando o autor (Paulo Pedroso) por fotografia, pelo nome, ou pela actividade profissional, e imputando-lhe a prática reiterada de abusos sexuais, com descrição de pormenores desses contactos, referindo os locais onde os mesmos haviam ocorrido, designadamente numa casa da cidade de Elvas, constituem uma forte e consistente plataforma indiciária contra o autor».
«A consistência do conjunto da referida prova afasta quer a inexistência dos factos, quer a manifesta falta de provas e a manifesta inexistência de fortes indícios, no momento em que foi decretada a prisão preventiva» - prosseguem os juízesconselheiros, concluindo, por isso, que não houve prisão preventiva injustificada.
Além disso, dão razão ao juízo feito por Rui Teixeira de que havia perigo de perturbação do inquérito e de pressão sobre as testemunhas, tendo em conta as diligências feitas pelo então líder do PS, Ferro Rodrigues, pelo líder parlamentar, António Costa, e por outros amigos de Pedroso, junto do procurador-geral da República, Souto de Moura, e do Presidente da República queficaram patentes nas escutas telefónicas a Pedroso e a Ferro Rodrigues. Recorde-se que, devido a uma fuga de informação, Pedroso soube que estava a ser investigado e tentou que o juiz Rui Teixeira não enviasse ao Parlamento o pedido de detenção para interrogatório, tendo-se disponibilizado para ir depor directamente ao processo.
Conclui o STJ: «Verifica-se a tentativa de contacto das mais altas instituições do Estado (...) Terceiros, a pedido do autor, realizaram diligências junto de instituições (judiciais ou políticas), ou pessoas socialmente relevantes, susceptíveis de criarem um perigo de perturbação do inquérito e de gerarem um sentimento de insegurança e intranquilidade públicas, com consequências a nível da prova» e com «tendência a reflectir-se junto das testemunhas».
Jovem contradiz-se outra vez
ILÍDIO Marques, uma das principais testemunhas do processo Casa Pia que agora diz que mentiu no processo, confessou a mais pessoas que estava a ser aliciado para dar uma entrevista nesse sentido. Além da conversa revelada pelo SOL na passada edição, o jovem assumiu num encontro com Francisco Guerra, outra testemunha do processo, ter sido contactado por jornalistas dispostos a pagarem-lhe 15 mil euros se revelasse pormenores sobre a vida deste último.
Francisco Guerra, no encontro que teve lugar a 18 de Março e que foi intermediado por uma funcionária da Casa Pia, decidiu gravar a conversa. Confrontado várias vezes se o jornalista em causa era Carlos Tomás (autor da entrevista a Carlos Silvino), Ilídio garantiu que nem o conhecia. No entanto, segundo o SOL apurou, já nessa altura era amigo do jornalista no Facebook e já lhe tinha dado a entrevista.
No encontro com Francisco Guerra, estava em causa um carro da namorada de Ilídio e que este lhe teria vendido, mas cujas mensalidades Guerra não pagou. Logo no início, Ilídio e a namorada ameaçaram que denunciariam o que se passava a jornalistas que a tinham contactado. «Dás-me 10.458,57 euros. A gente não quer o dinheiro nas nossas mãos nem nas nossas contas, mas que ele vá directamente para a conta de crédito do banco». Ilídio, que nunca diz quem foram os jornalistas que o contactaram, quando questionado sobre a sua identidade esquiva-se: «Nem sei como chegaram à Cristina. Propuseram pagar mais cinco mil euros, mas nós nem queremos».
Ilídio diz que os jornalistas andavam a incomodá-lo desde que Francisco Guerra lançou um livro: «Incomodam-me a mim e à minha Maria e já foram ao colégio da minha sobrinha para saber coisas sobre ti. Há muita mentira no processo. Deixaram-me o processo à porta de casa e eu não pedi nada a ninguém». Francisco adianta-se e atira-lhe: «Só há uma pessoa, o Carlos Tomás». Mas Ilídio não abre a guarda: «Eu não quero saber quem foi, se foi ele se foi o Cruz. Não sei é como eles sabem onde eu estou».
A entrevista de Ilídio foi publicada no sábado passado, no Expresso. Aí, o jovem afirmou que «uma cambada de putos da Casa Pia conseguiu dar a volta à PJ», contando que Carlos Cruz e os outros arguidos que acusou e que foram condenados em Tribunal não eram os verdadeiros abusadores.
O procurador-geral da República anunciou entretanto que vai reunir com o procurador do processo, João Aibéo, para analisar a entrevista. Felícia Cabrita
SOL | sexta-feira, 01 Abril 2011