
A arbitragem fiscal fica disponível a partir de hoje. Objectivo é resolver processos mais rapidamente.
Paula Cravina de Sousa
paula.cravina@economico.pt
A partir de hoje, os contribuintes que estejam em desacordo com o Fisco já podem recorrer aos tribunais arbitrais fiscais para resolver os seus problemas de forma mais célere. Isto porque aquelas instâncias têm seis meses para resolver os processos.
A medida foi desenhada pelo anterior Executivo, com Sérgio Vasques na pasta dos Assuntos Fiscais, e estava prevista no memorando de entendimento assinado entre a 'troika' e Governo português. Ontem, no primeiro debate da legislatura, o primeiro-ministro, Passos Coelho, referiu a urgência de adoptar a arbitragem para aliviar os tribunais.
O objectivo dos tribunais arbitrais fiscais é desafogar os tribunais que têm milhares de processos parados. De acordo com as estatísticas do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, havia, no ano passado, 44.010 processos fiscais pendentes, tendo o número de processos iniciados subido 4,3% para 16.744.
No entanto, a introdução da arbitragem não é consensual. Os mais críticos afirmam que mais tribunais - ainda que com uma natureza diferente - geram mais procura e não ajudarão a resolver o problema da morosidade da justiça; outros defendem que se deveria aplicar apenas a determinados sectores, por exemplo a grandes contribuintes.
- Como vai funcionar?
- Na prática, a arbitragem fiscal é uma forma de resolução dos processos fiscais de forma mais rápida. Estas entidades têm até seis meses para divulgar uma decisão, sendo o prazo prorrogável por seis meses nos casos mais complexos. A decisão terá o mesmo valor jurídico que as decisões judiciais, pelo que o Fisco terá mesmo de cumprir a sentença, caso seja favorável ao contribuinte. Hoje entra em funcionamento a aplicação informática que permite que os processos dêem entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). O pedido de constituição de um tribunal arbitrai é feito por via electrónica no site daquele organismo (ver tabela ao lado). O CAAD vai também divulgar hoje a lista de árbitros que poderão ser nomeados para mediar o conflito. O Diário Económico sabe que entre os nomes estão vários ex-secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, como António Carlos dos Santos e Carlos Lobo, do PS, e Vasco Valdez do PSD, além de outros advogados especialistas como António Lobo Xavier ou Miguel Teixeira de Abreu.
Quanto aos árbitros, há duas possibilidades: o contribuinte pode deixar a nomeação do árbitro a cargo do CAAD ou pode, em alternativa, nomear um. Mas esta última hipótese só é válida para processos superiores a 60 mil euros, as custas serão mais elevadas e terão de ser suportadas apenas pelo contribuinte. No caso em que é o CAAD a fazer a nomeação, os custos serão repartidos entre contribuinte e Administração Tributária. O valor a pagar varia ainda consoante o montante da causa. E para incentivar os contribuintes a recorrer à arbitragem, durante um ano não serão cobradas as despesas do processo para os que se encontram há mais de dois anos por resolver nos tribunais.
Fora do âmbito da arbitragem ficam os processos de valor mais elevado, superiores a dez milhões de euros. Isto representa um recuo face ao projecto inicial que não previa limitações relativamente aos montantes.
As matérias que podem ir aos tribunais arbitrais incluem, por exemplo, a declaração de ilegalidade da liquidação de impostos, da retenção na fonte e pagamentos por conta, bem como a ilegalidade da determinação de matéria colectável ou de fixação de valores patrimoniais.
"O sucesso da arbitragem fiscal está nas mãos dos árbitros"
O director do Centro de Arbitragem Administrativa, Nuno de Villalobos, recusa que os tribunais arbitrais gerem mais procura e não resolvam o problema da morosidade dos tribunais.
- Como responde às críticas sequndo as quais a arbitragem fiscal não é solução para a morosidade da justiça e pode até gerar mais procura?
- Em democracia, qualquer medida legislativa inovadora deve ser objecto de discussão pública e, como tal, alvo de críticas. O regime legal foi elaborado para responder, não só, mas também, à morosidade da justiça fiscal. Tenho testemunhado um enorme entusiasmo em torno do projecto. O reflexo mais óbvio é o número e a qualidade excepcional das pessoas que manifestaram interesse em aderir ao projecto como árbitros. A partir daqui, o sucesso da arbitragem tributária está em larga medida nas mãos destas pessoas. Não tenho por isso nenhuma razão para crer - muito pelo contrário - que não será bem sucedido. Por outro lado, não vejo como é que um meio célere e eficaz de resolução de litígios pode gerar mais procura - ou seja - mais litígios. Usando o argumento 'ad absurdum', acabaríamos por concluir que quanto mais bem apetrechado estivesse o sistema judicial, maior seria o problema da Justiça.
- Há também quem aponte o risco de haver problemas de imparcialidade por parte dos árbitros...
- Os árbitros, além de estarem sujeitos ao apertado regime de impedimentos previsto na lei, devem ainda obedecer ao Código Deontológico do CAAD. Este código é bastante exigente e foi aprovado pelo Conselho Deontológico do Centro. Além disso, é apenas elegível como árbitro quem tiver comprovada idoneidade moral, experiência profissional e sentido de interesse público. Acresce que as decisões finais serão tornadas públicas, o que também contribuirá para a transparência do processo.
- Na área da justiça fiscal quais deveriam ser as prioridades do novo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais?
- Uma das prioridades será o combate à morosidade da justiça fiscal. A arbitragem é uma arma ao serviço desse combate. Claro que é necessária alguma cautela na forma como é implementada para não a desvirtuar. Acredito que os responsáveis máximos das pastas da Justiça e dos Assuntos riscais estarão atentos e terão a determinação necessária para implementar o projecto.
Diário Económico | sexta-feira, 01 Julho 2011