
Em 2010, o então director do SIED, Silva Carvalho, passou dados à empresa que o viria a contratar
O ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho, transmitiu informações ao grupo Ongoing, para o qual foi contratado após ter saído das "secretas", com autorização do então primeiro-ministro, José Sócrates, em Novembro de 2010. Nos termos da lei, Silva Carvalho estava legalmente autorizado a transmitir informações, desde que fosse autorizado pelo primeiro-ministro. Silva Carvalho garante que "tudo foi feito dentro da lei, com autorização superior".
SIED passou dados à Ongoing com autorização de Sócrates
Lei determina que Silva Carvalho, quadro da Ongoing, não pode violar o dever de sigilo, sob pena de ser condenado a três anos de prisão
Maria José Oliveira
Enquanto director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho transmitiu informações ao grupo Ongoing, para o qual foi contratado após ter saído das "secretas", com autorização do então primeiro-ministro, José Sócrates, em Novembro de 2010.
A comunicação de dados para empresas privadas pode acontecer em casos em que prevaleça o interesse estratégico do Estado. O SIED, tal como o SIS (Serviço de Informações de Segurança), depende directamente do chefe do Governo, que, de acordo com a lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), pode fixar instruções sobre as actividades a desenvolver pelos serviços. É também através de despacho do primeiro-ministro, auscultado previamente o Conselho de Fiscalização do SIRP (CFSIRP), que são definidas as condições em que os dados recolhidos pelo SIED e SIS podem ser fornecidos "aos órgãos e serviços" previstos na lei-quadro e na Lei de Segurança Interna.
De acordo com a notícia do Expresso, Silva Carvalho teria passado informações à Ongoing sobre dois empresários russos pouco antes de apresentar a demissão do SIED, e, já com o processo de exoneração em curso, terá ainda facultado dados sobre metais estratégicos. Ontem, ao Diário de Notícias, o antigo espião admitiu ter enviado informações ao grupo de Nuno Vasconcellos, embora não tenha precisado os assuntos. Assegurou, porém, que "tudo foi feito dentro da lei, registado, documentado, com autorização superior". E garantiu que a transmissão não violou o dever de sigilo ou o segredo de Estado.
Contudo, segundo o Expresso, Silva Carvalho, que trabalhou 21 anos nas "secretas" e que chegou a ser apontado como o sucessor de Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP, mantém ligações no interior dos serviços. Sem apontar nomes, o semanário informa que em 20 e 21 de Dezembro (Silva Carvalho já não estava no SIED), os serviços terão recebido, do exterior, pedidos sobre a biografia e os antecedentes criminais de um empresário português com negócios em Moçambique. Alguns dias antes, continua o Expresso, os mesmos serviços foram solicitados a prestar dados sobre um empresário "que teria apresentado propostas de investimento".
O Expresso não especifica se os pedidos foram ou não feitos por Silva Carvalho, mas a eventual troca de informações configura uma situação que, de acordo com a lei, pode ser punida com pena de prisão até três anos, "se pena mais grave não lhe for aplicável". O artigo 28.° da leiquadro determina que os agentes e funcionários são obrigados a guardar "rigoroso sigilo" sobre a "actividade de pesquisa, análise, classificação e conservação das informações". E define que o dever de sigilo "mantémse para além do termo do exercício das suas funções, não podendo, em caso algum e por qualquer forma, ser quebrado por aqueles que deixaram de ser funcionários ou agentes" das "secretas". Em alternativa à pena de prisão, os prevaricadores podem ser demitidos das suas funções. No entanto, a mesma lei estabelece que o acesso dos quadros das "secretas" a dados recolhidos pelo SIED e pelo SIS tem de ser "regulado" por despacho do secretário-geral do SIRP.
A saída de Silva Carvalho da direcção do SIED não só apanhou de "surpresa" o CFSIRP, como também originou a proposta de introduzir na lei um impedimento temporário aos quadros que pretendam sair directamente para o sector empresarial. O ex-director do SIED entrou na Ongoing, como assessor do conselho de administração, em Janeiro deste ano, menos de dois meses depois de ter abandonado os serviços.
O PÚBLICO questionou, por correio electrónico, o SIRP, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta. Perguntou também ao primeiro-ministro, através do seu assessor de imprensa, Rui Baptista, se tinha conhecimento de que o seu antecessor terá autorizado o envio de dados para a Ongoing e qual a posição perante a denúncia implícita, feita por Silva Carvalho, de que o Governo terá pedido informações sobre Bernardo Bairrão. Baptista lembrou que o primeiro-ministro pediu um inquérito a Júlio Pereira "com carácter de urgência". Marques Júnior, do CFSIRP, escusou-se a comentar a entrevista de Silva Carvalho.
O PÚBLICO tentou também contactar José Sócrates, mas não teve resposta.
Nuno Morais Sarmento, advogado de Silva Carvalho, entregou ontem na Procuradoria-Geral da República uma queixa-crime contra desconhecidos por violação da conta pessoal de email do ex-director do SIED. O processo não explicita os conteúdos que terão sido retirados da conta electrónica. "Não sabemos o que é que o Expresso tem em seu poder", sustentou. E fez notar: "Através de datas e destinatários conseguimos perceber que alguém acedeu, indevidamente, a uma conta pessoal de email, conheceu o conteúdo e deu conhecimento disso, seja lá o que isso for, a outros." O advogado disse ainda que a queixa-crime foi "cuidadosamente feita para separar alhos de bugalhos", referindo que, em nenhum momento, há alusões ao envio de informações à Ongoing, numa altura em que Silva Carvalho ainda dirigia as "secretas". Na sequência do inquérito que será feito pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária, "poderá saber-se quem acedeu e o que se passou", acrescentou Morais Sarmento.
Público | sexta-feira, 29 Julho 2011