
Balanço Julgamento do BPN está para durar. No BCP, declaração de nulidade causou surpresa. Investigações demoram no BPP
Embrulhados há demasiado tempo
Textos ISABEL VICENTE Ilustração HELDER OLIVEIRA/WHO
Os processos judiciais relativos à banca não têm fim à vista. O julgamento do caso BPN está em curso. No BCP, a decisão recente de anular o julgamento relativo às condenações do Banco de Portugal (BdP) — porque o juiz considerou que a forma como as provas foram obtidas violava o segredo bancário—lançou alguma confusão. Quanto ao BPP, ainda não há decisões finais quer nas contra-ordenação quer quanto ao processo-crime.
O primeiro julgamento a começar foi o do BPN. Teve início a 15 de dezembro de 2010, apenas para identificação dos arguidos, e retomou a 25 de janeiro. Estamos em outubro, apenas foram ouvidas quatro testemunhas e, muito provavelmente, até ao final do mês, o julgamento vai parar, por uma boa causa. O juiz presidente, Luís Ribeiro, vai ser pai e usufruir dos dias a que tem direito por lei. Está prevista a audição de cerca de 200 testemunhas (algumas repetidas), sendo que o Ministério Público (MP) tem 69. A par do processo que já está em julgamento, existem mais 18 relacionados com o BPN em investigação, no MP e nos supervisores — BdP e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). No que diz respeito ao ex-ministro do PSD e ex-conselheiro de Estado, Dias Loureiro, só deve haver novidades em 2012 (ver texto ao lado).
Noutro dos edifícios do Campus Justiça, no Parque das Nações, em Lisboa, estão também a ser julgados os ex-administradores do BCP. Quatro são acusados criminalmente — o fundador Jorge Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, António Rodrigues e Christopher de Beck —, mas o julgamento, que estava previsto começar a 24 de outubro, foi adiado. E isto porque corriam entretanto dois recursos relativos às condenações do BdP e da CMVM e não havia dias da semana que chegassem para tantos julgamentos. Um problema que agora caiu por terra, até que o tribunal da Relação decida a favor ou contra a decisão do juiz António Hora que declarou as provas nulas por ter sido violado o sigilo bancário.
Já no caso BPP, banco intervencionado em dezembro de 2008 e entretanto declarado insolvente, as responsabilidades a nível criminal estão por apurar. A investigação está na reta final, segundo o MP. Há, contudo, uma acusação feita pela CMVM e já contestada pelos seis ex-administradores do BPP, incluindo o fundador do banco, João Rendeiro. Resta saber quem sairá acusado.
Há 18 investigações em curso em torno do BPN. Apenas um processo está em julgamento e dois anos que se espera a final do Banco de Portugal Instrução da CMVM é diferente?
No que toca às condenações da CMVM, fonte do regulador afirma que nas acusações feitas "nunca invocámos a denúncia do empresário Joe Berardo, quer nos processos contra o BCP, quer no das responsabilidades individuais".
O regulador do mercado de capitais afirma "ter recolhido provas no âmbito da sua ação de supervisão, o que lhe é lícito". Um argumento contrário ao defendido no recurso do BCP, mas que o Tribunal da Relação legitima, dando razão à atuação da CMVM no apuramento das provas.
Rui Patrício, advogado do BCP, recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, na convicção de que a CMVM obteve documentos do BCP não o informando de que estava em curso um processo de contraordenação. O que na verdade terá ocorrido apenas no final da ação de supervisão, como se pode induzir da leitura da decisão e dos recursos. Aliás, noutros processos, a decisão do Tribunal da Relação face a estes argumentos passou por dar razão ao regulador.
Depois de tudo isto coloca-se a questão de saber como podem e devem os reguladores apurar responsabilidades e obter meios de prova sem que possam ser questionados. Para que serve a ação de supervisão? Vamos ver como decidem neste caso os tribunais.
No 'caso BPN', as investigações têm surgido aos bochechos. O megaprocesso está a correr e já se contabilizam 40 sessões de julgamento, apesar de só terem sido ainda ouvidas quatro testemunhas, entre as quais o inspetor Paulo Sousa, uma peça-chave em todo o processo de acusação, que vai ser chamado de novo.
Mas o julgamento, que começou com problemas vários, vai ser interrompido pelo menos por 10 dias úteis para satisfazer o direito legal de paternidade. O juiz que preside ao julgamento - e que impôs um ritmo frenético (várias sessões por semana) — vai ser pai. O Expresso falou com os serviços da 4ª Vara Criminal que confirmaram terem sido adiadas as duas sessões desta semana mas ainda não haver notificação sobre a licença de paternidade iminente.
Foram muitos os percalços a ultrapassar: por exemplo, foi necessário encontrar uma sala em condições para os 15 arguidos, tendo-se equacionado a transferência do julgamento do Parque das Nações para o tribunal de Monsanto. Teve também de ser contratada uma tradutora para que as provas escritas em línguas estrangeiras que foram apresentadas pelo Ministério Público não fossem afastadas. Mas é sobretudo a complexidade do caso, nomeadamente no que diz respeito às ligações entre os vários arguidos e os negócios em causa, que tem provocado mais 'dores de cabeça'. De tal forma que teve de se recorrer a documentos empowerpoint para facilitar a compreensão do coletivo dos juizes, liderado por Luís Ribeiro.
O processo promete arrastar-se apesar de ter sido autonomizado o pedido cível que o acompanhava para apressar o apuramento das responsabilidades criminais. "Ainda não saímos das testemunhas indicadas pelo Ministério Público e estamos agora a ouvir uma técnica das Finanças", referiu um dos advogados ao Expresso, acrescentando que "o processo até tem seguido um ritmo adequado".
No entanto, confessa que ainda serão ouvidas mais duas testemunhas da Polícia Judiciária e só depois as não relacionadas com a investigação, mas que de alguma forma colaboraram com a mesma.
Acusações em banho-maria
O 'caso BPN' é tido como prioritário pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado por Cândida Almeida, mas além do processo que já está em julgamento, há mais 18 investigações em curso, muitos arguidos, cerca de 30, e provas para fechar.
Entre estes encontram-se os ex-ministros do PSD Manuel Dias Loureiro e Arlindo de Carvalho. Mas ainda não há acusações, embora o DCIAP tenha dito ao Expresso em julho ser provável fechar duas ou três acusações até ao final do ano. As investigações relativas a Dias Loureiro, ex-conselheiro de Estado, constituído arguido há dois anos, apenas deverão estar concluídas em 2012.
Em causa estão os negócios de Porto Rico e Marrocos, onde terá havido perdas de €40 milhões.
Também Arlindo de Carvalho, ex-ministro da Saúde, está indiciado num processo que envolve a imobiliária Pousa Flores e a compra de créditos que terão provocado prejuízos de €40 milhões.
Nestas investigações os milhões são muitos e não param de surpreender. Segundo avançou o Expresso em julho, o processo mais avançado parece ser o que diz respeito a Carlos Marques, construtor civil, em prisão domiciliária, que terá feito desaparecer €90 milhões em vários negócios do BPN entre Angola e Miami.
BPP Investigação à espera de provas
Correm vários processos contra o insolvente BPP e os seus ex-responsáveis. No processo crime aguarda-se ainda documentação pedida ao exterior
O Banco Privado Português (BPP), intervencionado em dezembro de 2008, foi declarado insolvente a 16 de abril de 2010 e em julho o processo ficou parado por causa de uma diligência da dona do BPP, a Privado Holding. Esta empresa refutou a revogação da licença do banco que estava na base da declaração de insolvência. A comissão liquidatária está impedida de vender bens ou liquidar dívidas aos seus credores e já recorreu para tribunal mas o número de processos contra o BPP, por parte de clientes e da Privado Holding, prometem arrastar este caso por muitos e muitos anos. Há processos contra o Estado e também contra o supervisor bancário.
Para já só a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários acusou seis ex-administradores — João Rendeiro, Paulo Guichard, Savador Fezas Vital, que lideram o número de acusações (ver destaque) assim como Fernando Lima, Paulo Lopes e Vítor Castanheira, os quais já contestaram, aguardando agora a decisão final do regulador.
Do outro lado da barricada estão os processos contraordenacionais e cinco investigações criminais contra o banco e os seus ex-administradores. Há mais do que uma investigação-crime em curso, mas até agora nenhuma está ainda concluída.
A procuradora Teresa Almeida, que lidera a equipa do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), afirmou ao Expresso que estão ainda a ser realizadas algumas diligências. "Aguardamos documentos e informações relevantes que pedimos a outras entidades sediadas no estrangeiro, e a chegada destas não depende de nós, além disso estamos também a ouvir algumas pessoas". Recusa falar do que está em causa nos processos que estão a correr, mas adianta que a equipa "está a tentar concluir pelo menos um dos processos até ao final do ano".
Em fevereiro, o DIAP já tinha conseguido congelar €10 milhões de contas bancárias de ex-administradores do BPP, algumas das quais sediadas em paraísos fiscais, por estarem em causa desvios de dinheiro do banco, assim como foram já arrestadas obras de arte avaliadas entre €20 milhões e €40 milhões. Na primeira linha das investigações estão João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, todos arguidos. Em causa neste processo estão suspeitas de crimes de falsificação de documentos, branqueamento de capitais, burla qualificada e criação de veículos fictícios. Já quanto à investigação que decorre no Banco de Portugal, relativa à contabilidade do BPP, ainda não há decisão.
Expresso/ Economia | sábado, 15 Outubro 2011