
Diplomacia. MP português está a investigar altas figuras do regime angolano. Porém, o ministro Rui Machete garantiu que tudo não passa de burocracias e formulários
CARLOS RODRIGUES LIMA
O Governo português pediu "desculpas diplomáticas" ao Estado angolano pelas investigações judiciais que atingem altas figuras deste regime. A revelação foi feita por Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros português, numa entrevista à Rádio Nacional de Angola (RNA). Rui Machete adiantou ainda saber que nos inquéritos em curso em Portugal, os quais, na sua maioria, envolvem suspeitas à volta de avultadas transferências de dinheiro, "não há nada substancialmente digno de relevo e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas".
O DN questionou, ontem, a Procuradoria-Geral da República sobre se foi tomada alguma decisão de arquivamento relativamente aos casos que envolvem, por exemplo, o procurador-geral de Angola, João Maria de Sousa, o presidente do Banco Atlântico, Carlos Silva, e até as filhas do Presidente angolano Isabel e Welwitchia (Tchizé) dos Santos, segundo já adiantou este ano a revista Sábado. Porém até ao fecho desta edição, a PGR não remeteu qualquer resposta. Tendo em conta a declaração de Rui Machete à RNA, a Procuradoria terá, isso sim, referido informar o Governo de eventuais decisões que tenham sido tomadas nos inquéritos.
As investigações em curso resultarão de comunicações feitas por bancos ao Ministério Público e à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária sobre movimentações de dinheiro em contas bancárias superiores a 12 500 euros, tal como determina a lei de prevenção do branqueamento de capitais.
Segundo fonte judicial, contactada ontem pelo DN, as investigações a figuras angolanas ainda se encontram em curso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), não existindo, por agora, nenhuma decisão final. Aliás, recentemente, segundo o DN apurou, o Estado angolano, num processo em que é vítima (assistente), até constituiu como seu representante o escritório de advogados PLMJ, do qual Rui Machete foi consultor até assumir funções como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Questionado pelo DN se confirmava o teor das declarações prestadas à RNA (disponíveis em http: / / www.ma.ao/canalA/noticias.cgi?ID=78347), o gabinete de Rui Machete adiantou que o ministro concedeu uma entrevista no início do mês de setembro no âmbito de uma visita a Portugal do Ministro das Relações Exteriores da República de Angola, Georges Rebelo Pinto Chikoti. E que o "tema" que consta da notícia da RNA "foi abordado", "tendo o ministro respondido de forma diplomática". Ou seja, fica a dúvida se Rui Machete respondeu com conhecimento do que estava a dizer, isto é, se foi informado de decisões de arquivamento de algumas investigações, e pretendeu pôr um ponto final na tensão diplomática entre ambos os países, ou se a resposta à RNA foi apenas de circunstância.
PGR preocupada com a falta de convites ao embaixador
Ministério Público As investigações a cidadãos angolanos de primeiro plano já provocaram uma polémica interna no Ministério Público português, levando a procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, a instaurar três processos disciplinares a magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Isto depois de, em janeiro deste ano, o Expresso ter revelado a existência de uma reunião entre a PGR e três magistrados do DCIAP que teve como ponto único da agenda a discussão sobre as investigações a figuras do regime angolano.
Os alvos do inquérito disciplinar foram Cândida Almeida, ex-diretora do DCIAP, atualmente no Supremo Tribunal de Justiça, e os procuradores Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves. O caso acabou arquivado. Em julho deste ano, o DN solicitou autorização para consultar os autos do processo disciplinar. A Procuradoria informou que o pedido seria analisado pelo Conselho Superior do Ministério Público, que, até ontem, não terá tido tempo para tomar uma decisão. O DN fundamentou o pedido na lei e tendo em conta o interesse público do processo, já que se trata de uma ação disciplinar que envolveu dois magistrados com processos muito complexos e a ex-diretora do DCIAP. Apesar da falta de resposta, em julho a revista Sábado adiantou alguns pormenores do processo disciplinar. Como o de Joana Marques Vidal ter revelado em janeiro deste ano aos três magistrados "preocupação" com o rumo dos processo que envolviam Angola, já que os investimentos angolanos estavam a fugir para Espanha e que o embaixador português em Luanda estaria a ser alvo de retaliações, uma vez que não o convidavam para eventos oficiais de Estado. A chefe do MP acabou por pedir um relatório completo das investigações em curso e, em julho, esteve em Angola, elogiando o "progresso" deste país. C.R.L.
Diário Notícias | Sexta, 04 Outubro 2013