
PAÍS Doenças ligadas à senilidade explicam desaparecimentos. Há 11 idosos por encontrar.
Este ano 170 idosos foram dados como desaparecidos
Drama. Houve dez que desapareceram mais doque uma vez ao longo do ano. Doenças ligadas à senilidade explicam estas situações
RUTE COELHO
Neste momento, em Portugal, há 11 famílias que não sabem de um familiar idoso. São precisamente 11 as pessoas com mais de 65 anos que continuam desaparecidas de suas casas, lares de terceira idade ou residências de familiares, em zonas diferentes do País, segundo dados oficiais da Guarda Nacional Republicana (GNR) facultados ao DN. No ano que está a findar, a Guarda registou 170 desaparecimentos de idosos em todo o País, com particular enfoque nos distritos de Faro (25 casos), Lisboa (20) e Aveiro (16). Muitos deles sentiram-se compelidos a deambular sem destino pela demência, pela doença de Alzheimer ou por problemas psicológicos graves, muitas vezes motivados pela solidão extrema.
Acontece algumas destas pessoas desaparecerem mais do que uma vez num ano. Em dez casos foi o que sucedeu, segundo os registos da GNR. Em Braga, houve três idosos "reincidentes" no desaparecimento; dois em Castelo Branco e dois em Viseu; um em Lisboa, um no Porto e um em Aveiro.
No conjunto dos 170 desaparecidos houve 124 que foram localizados com vida pela GNR, 21 deles em Faro, o distrito com mais casos. Seguiram-se 16 detetados em Lisboa e 12 em Aveiro, os dois distritos seguintes com mais situações registadas de idosos desaparecidos.
23 dias para localizar em Lisboa
A média de dias que as equipas da GNR destacadas para estes casos demoram a localizar os idosos depende muito da densidade populacional dos distritos e da rede de informação local. Não surpreende, por isso, que Lisboa seja o distrito em que se demora mais tempo até localizar os idosos desaparecidos: 23 dias. Em Faro, o distrito que registou mais desaparecimentos de "seniores" em 2013, a média de dias para os localizar é consideravelmente menor: sete dias. Idosos localizados em apenas um dia, em média, aconteceu apenas nos distritos de Leiria, Évora e Castelo Branco.
A GNR registou ainda, este ano, 32 idosos encontrados sem vida. Desses, a maioria dos casos ocorreu em Faro e em Aveiro.
A Guarda assume estes desaparecimentos como "prioritários" e tenta localizar as pessoas "no mais curto espaço de tempo", referiu ao DN o capitão Marco Cruz, porta-voz do comando geral da GNR. Na busca por um idoso desaparecido são empregues todos os meios ao dispor: cinotécnicos (equipas homem/cão), a cavalo, do Grupo de Intervenção, Proteção e Socorro, do Serviço da Proteção da Natureza e do Ambiente e nas diversas patrulhas territoriais.
No país dos mortos em casa
Alguns casos de desaparecimento de idosos vêm a resultar em pessoas que morreram em casa sem que ninguém em redor se tenha apercebido. O primeiro caso a chamar a atenção para este drama foi o da idosa descoberta morta em casa, na Rinchoa (Sintra), e que já estaria cadáver no chão da cozinha há nove anos, como foi noticiado a 8 de fevereiro de 2011.
A PSP viria a registar nesse ano quase três mil idosos encontrados em casa. A 25 de janeiro de 2012, duas irmãs, de 74 e 80 anos, foram descobertas mortas no apartamento onde viviam, nas Mercês (Sintra). Morreram por falta de assistência. As duas mulheres já não eram vistas desde o início desse ano, mas ninguém havia comunicado o seu desaparecimento. A 9 de outubro, o jornal i contou a tragédia de Manuela e de Ludgero Matias, um casal de idosos que decidiu suicidar-se em casa e só 18 dias depois foram encontrados.
GNR detetou mais de 28 mil pessoas que vivem sozinhas ou isoladas
sinalização Este ano, a operação 'Censos Sénior' assinalou um aumento de 12 601 casos de idosos sozinhos relativamente a 2011 Identificar situações de potencial risco foi o objetivo por detrás da operação "Censos Sénior", que entre 15 de janeiro e 28 de fevereiro últimos sinalizou 28197 idosos a viverem sozinhos ou em situação de isolamento. Ao nível nacional, militares da GNR percorreram as zonas não urbanas para atualizar o registo daqueles que vivem sós, informando as autoridades competentes das situações de potencial perigo.
Sozinhos e isolados, os idosos tornam- se mais vulneráveis a burlas, assaltos e abandono. Os números avançados pela GNR indicam que foram sinalizados 28197 idosos a viverem sozinhos e/ou em situação de isolamento. Comparativamente a 2012, foram identificadas mais 5196 situações, o que corresponde a um aumento de 22,6%.
Dos 28197 idosos referenciados, 19 455 vivem sozinhos, 6565 vivem isolados e 2177 vivem sozinhos e isolados. Foram também sinalizados 441 idosos que necessitaram de acompanhamento por parte de instituições de apoio social locais.
Desde a primeira edição do "Censos Sénior", em 2011, houve um aumento de 12 601 casos. A GNR acredita que este acréscimo pode dever-se a um maior empenho de recursos humanos e materiais por parte desta força militar, cujos elementos se deslocaram até locais muito isolados.
O processo de sinalização dos idosos foi feito através do preenchimento de uma "ficha de residência", que permitiu a recolha dos elementos necessários para elaboração do mapa da região, com a localização georreferenciada de todas as residências aderentes ao projeto, visando a posterior realização de um patrulhamento orientado para aquela população específica. As pessoas ficam assim registadas e localizadas através de GPS pelos militares da GNR, permitindo, em caso de necessidade, saber onde se encontram.
Este método pode ser essencial no caso de desaparecidos, porque permite determinar a sua rotina habitual, recolhendo informações sobre as suas deslocações. A GNR estabelece depois um perímetro de atuação, iniciando a ação o mais depressa possível, sendo o perímetro maior ou menor de acordo com o tempo do desaparecimento.
A par da operação "Censos Sénior" foram também desenvolvidas ações no âmbito do "Programa Residência Segura", no qual também são georreferenciadas residências isoladas, para uma melhor localização em caso de ocorrência e/ ou emergência. Aderiram a este programa proprietários de 14 632 habitações.
A GNR realiza ainda, todos os anos, a operação "Idosos em Segurança", que visa potenciar o sentimento de segurança junto desta população. No âmbito do policiamento, os militares efetuam um conjunto de ações de sensibilização que compreendem contactos com idosos, não apenas nas suas habitações mas também em locais onde seja possível a sua concentração (juntas de freguesia, por exemplo).
"Vamos ter mais diagnósticos de demência"
- Quais as principais causas que explicam os desaparecimentos de idosos?
- Bem, há várias explicações, mas na maior parte dos casos estão associados a alterações comportamentais derivadas da demência e da senilidade. A juntar a isto há o abandono dos idosos, a solidão e a situação política atual.
- Com o envelhecimento da população, estes casos podem aumentar?
- Em 2060, estima-se que os idosos sejam 32% da população portuguesa. Significa que vamos ter mais diagnósticos de demência. Isto implica que vai haver mais alterações comportamentais trazidas pela demência, como seja agitação, agressividade e deambulação sem sentido. Alguns desses desaparecimentos são deambulações dessas.
- Quantos dementes existem em Portugal?
- Temos 135 mil pessoas demenciadas no nosso país, 90 mil dos quais são doentes de Alzheimer. As alterações de comportamento são inerentes à população demencial, que se comporta um pouco como as crianças. Muitos estão na base de abandonos e desaparecimentos.
- Como se podia apostar mais na prevenção?
- Em primeiro lugar, os diagnósticos da demência não são feitos de forma atempada em Portugal e, de facto, é preciso fazer a prevenção dessas situações. Devia haver maior aposta em fazer esse tipo de diagnóstico nos cuidados primários para que depois fossem referenciados para os hospitais centrais. Infelizmente, a nossa estrutura assistencial não está muito vocacionada para a assistência à terceira idade.
- Em alguns casos, os lares também não parecem estar preparados para dar o devido apoio...
- Nem todos os lares são adequados. Este ano houve ordem de encerramento para mais uns quantos. A resposta está num reforço do apoio domiciliário. É no local onde têm um ambiente acolhedor que os idosos podem ser apoiados.
Diário Notícias | Sábado, 28 Dezembro 2013