
Sobrevivente do Meco está disponível para falar com as autoridades
Tragédia. Procurador de Almada chamou a si o inquérito, decretou segredo de justiça e vai pedir à PJ de Setúbal diligências no caso
ROBERTO DORES, FILIPA AMBRÓSlO DE SOUSA e RUTE COELHO
O sobrevivente da tragédia do Meco já terá manifestado "disponibilidade e interesse" em prestar declarações à Polícia Marítima, segundo revelou ao DN uma fonte próxima de João Gonçalves. Ontem, também ficou a saber-se que o processo de averiguação da causa da morte dos seis jovens a 15 de dezembro, que até agora tem estado entregue à Polícia Marítima - com fiscalização de um procurador adjunto do Ministério Público de Sesimbra-, foi avocado pelo procurador da República coordenador de Almada. Que decidiu que a investigação passaria a estar sob segredo de justiça.
O jovem manteve-se em silêncio desde o dia da tragédia. Porém, terá de ser o psicólogo que o acompanha, e que lhe terá diagnosticado amnésia seletiva, a avaliar as condições do estudante da Lusófona para contar o que se passou. Os jovens representavam os respetivos cursos na Comissão de Praxe, da qual o sobrevivente era o líder. Apesar de não haver indícios de crime, João Gouveia poderá vir a ser ouvido como testemunha pela Polícia Judiciária de Setúbal - e não pela Polícia Marítima - se o Ministério Público assim o entender. Este, por sua vez, já contactou a coordenadora da Polícia Judiciária de Setúbal, Maria Alice, para lhe indicar que a PJ passaria a ser chamada a realizar algumas diligências neste inquérito, nomeadamente, recolha de elementos de prova (testemunhal e outras) ou de indícios que possam ser sujeitos a perícias forenses. Outras ações de investigação mais relacionadas com o conhecimento do terreno continuarão com a Polícia Marítima, informou o procurador de Almada, segundo o DN confirmou junto de fonte autorizada.
O procurador de Almada entendeu que seria preciso dar outra dinâmica ao caso devido a elementos vindos a público, chamou a si o inquérito, e decidiu que os órgãos de polícia criminal "mais bem apetrechados para coadjuvar o Ministério Público" poderão vir a fazer as diligências necessárias, como resulta do esclarecimento enviado ao DN pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Como adiantou o esclarecimento, "serão realizadas todas as diligências adequadas ao esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram as mortes, para tanto se recorrendo aos órgãos de polícia criminal que, pela sua específica capacitação e nos termos da lei orgânica de investigação criminal, estejam mais bem apetrechados para coadjuvar o Ministério Público nessa tarefa". No caso em concreto, a "específica capacitação" é a da Polícia Judiciária. "A investigação não é orientada para pessoas determinadas", sublinhou fonte do gabinete de Joana Marques Vidal, reafirmando que "não existem, por ora, indícios de que as mortes se tenham devido à prática de crime". Mais: "Não há denúncias de familiares das vítimas nem quaisquer requerimentos para constituição como assistentes", concluiu fonte do gabinete da procuradora-geral da República.
Sobrevivente resguardado
Desde o dia da tragédia que João Gouveia se mantém resguardado na sua casa em Lisboa. Faltou à época de exames e nunca mais foi visto na universidade nem no café em frente à Lusófona onde trabalhava. O acompanhamento especializado aconselha o jovem a não reviver a noite em que a onda gigante arrastou o grupo trajado na praia, que tinha ido passar o fim de semana para uma moradia alugada em Aiana de Cima, em Alfarim (Sesimbra), a cerca de oito quilómetros da praia do Moinho de Baixo. Os responsáveis pela Universidade Lusófona, que anteontem abriu um inquérito à morte dos estudantes, também decidiram não se pronunciar até o processo estar concluído, embora os pais estejam a pressionar a escola, exigindo explicações ainda esta semana. Uma das prioridades aponta para o esclarecimento sobre se as praxes eram ou não perigosas. O departamento de Psicologia mantém aberto o apoio a familiares e amigos das vítimas.
P&R
Quantos eram os estudantes na casa do Meco a 15 de dezembro? A casa tinha sido alugada para 12. Pelo menos quatro jovens chegaram à vivenda, em Aiana de Cima, na sexta-feira (13), mas na tarde de sábado, horas antes da tragédia, estariam na casa alugada mais do que os sete estudantes que foram arrastados pela onda, segundo os moradores da rua do Sol. O namorado de uma das vítimas foi jantar a Lisboa.
Porque foi a Polícia Marítima (PM) chamada pelo Ministério Público a inquirir o sobrevivente da tragédia e não a Polícia Judiciária?
A PM tem estado a desenvolver diligências no âmbito do inquérito de averiguação da causa da morte pois a tragédia aconteceu na sua área de influência. Como não existem indícios de crime e não haverá intervenção de desconhecidos no acidente trágico, ainda não foi chamada a PJ. Mas o Ministério Público pode pedir a colaboração desta polícia em qualquer altura do inquérito.
O que aconteceu na madrugada de dia 15 de dezembro na praia?
Não há certezas. Espera-se que o sobrevivente João Gouveia explique o que se passou. Logo após a tragédia, o jovem declarou à Polícia Marítima que os colegas foram levados por uma onda gigante quando estavam na praia do Moinho de Baixo, onde chegaram a pé e com trajes académicos, caminhando quase oito quilómetros durante a noite após o jantar.
Houve outras testemunhas?
Na altura constou que um pescador tinha visto os jovens na praia. Mas isso nunca foi confirmado pela investigação. Moradores de Alfarim viram o grupo de jovens atravessar a localidade, estranhando que envergassem os trajes académicos para ir para o areal.
O que se passou com os telemóveis dos estudantes?
Apenas o Dux (líder da comissão de praxes, João Gouveia) levou o telemóvel para a praia, tendo os restantes seis deixado os telefones em casa. Alguns pais das vítimas já relataram que tentaram contactar os filhos na manhã e tarde de domingo e que os telemóveis estavam ligados.
As autópsias ajudam a compreender o que se passou?
Não, pois os corpos de cinco estudantes estavam "em mau estado". Apenas o cadáver de Tiago André Campos foi sujeito a perícias toxicológicas por ter sido encontrado quatro horas após o desaparecimento no mar mas os resultados desses exames só serão revelados, provavelmente, dentro de um mês.
O que estavam a fazer em Alfarim?
Estariam a preparar praxes para os caloiros ou para quem entrasse na comissão. Vizinhos disseram ter ouvido praxes durante a tarde, enquanto faziam churrascos.
No dia 16 de dezembro (a seguir à tragédia), quando os pais foram . à casa já tinham os pertences dos filhos arrumados. Quem o fez?
Não se sabe. Admite-se que tenha sido o sobrevivente João Gouveia com ajuda de, pelo menos, mais uma pessoa. Durante a tarde de domingo os vizinhos garantem ter visto duas pessoas dentro de casa, onde se mantiveram várias horas.
Outros alunos que fazem parte da comissão de praxes podem ser chamados a prestar declarações sobre o que estaria previsto para aquele fim de semana?
Sim, até porque poderão ajudar a perceber o tipo de praxes que eram praticadas e porque é que alunos finalistas e outros que já se encontram no mercado de trabalho participaram neste fim de semana envolto em tanto secretismo.
O que estão a preparar as famílias das vítimas?
Depois de duas homenagens na praia, vão reunir-se no próximo sábado para articular discursos.
A casa tem continuado a ser ocupada?
Não. Desde dia 15 de dezembro que a vivenda não voltou a ser alugada.
O que dizem os pais das vítimas?
Querem chegar à fala com João Gouveia, garantindo que não vão desistir de tentar saber ao pormenor o que se passou naquele fim de semana. Há familiares que chegam a questionar a responsabilidade da reitoria, perguntando se os seus dirigentes sabiam que género de praxes se fazem na Lusófona.
O que diz João Gouveia?
Nada. O sobrevivente tem estado resguardado na sua casa em Lisboa e não fala sobre o assunto. O psicólogo diagnosticou-lhe amnésia seletiva e garante que o jovem não tem condições de se pronunciar sobre os factos. Apenas a irmã atende o telemóvel.
O que diz o Ministério Publico?
O Ministério Público ordenou que a comunicação do óbito de Tiago André Campos desse origem a um inquérito com vista à averiguação da causa da morte do mesmo, como acontece em qualquer comunicação de óbito cujas causas são desconhecidas. A averiguação da causa da morte dos restantes cirico jovens será efetuada no âmbito do mesmo processo.
Existem elementos que indiciem a prática de crime?
Não, nem foi apresentada queixa por parte dos familiares dos jovens falecidos. Apenas um familiar requereu que o jovem sobrevivente fosse inquirido para relatar o que aconteceu.
Diário Notícias | Quarta, 22 Janeiro 2014