
Polémica Supervisor garantiu a 25 de Julho que a almofada do BES era suficiente. Mas três dias antes fora informado sobre novas imparidades.
Filipe Alves
O Banco de Portugal (BdP) garantiu a 25 de Julho, em comunicado, que a almofada de capital do BES era suficiente para acomodar as perdas com créditos problemáticos ao Grupo Espírito Santo (GES). Porém, três dias antes, já a CMVM e o auditor externo KPMG tinham informado o BdP sobre a existência de imparidades adicionais que causariam um novo 'buraco' de 1,2 mil milhões, que obrigaria o BES a registar os maiores prejuízos de sempre, no primeiro semestre, apurou o Económico.
Segundo fontes ligadas ao processo, a KPMG informou o Banco de Portugal e a CMVM da existência de imparidades adicionais, ainda por quantificar, a 22 de Julho. Os valores preliminares foram apresentados ao BdP no dia 25 e confirmados em duas reuniões que tiveram lugar a 28 de Julho.
Ora o BdP assegurou a 25 de Julho, em comunicado, que o BES tinha uma almofada de capital apropriada. E sustenta que só a 30 de Julho soube das imparidades adicionais que levaram às perdas gigantescas de 3,5 mil milhões de euros do BES no semestre.
Na semana passada, sob pressão da opinião pública portuguesa e dos 'media' internacionais, o BdP reagiu com dureza ao anúncio do prejuízo histórico do BES. Em comunicado, o supervisor justificou aquele valor gigantesco com os "factos supervenientes identificados pelo auditor externo apenas na segunda quinzena de Julho". O BdP alega que não é sua missão assegurar a certificação das contas, dos bancos e que tal é da responsabilidade dos auditores externos.
Além das perdas com os créditos a empresas da família Espírito Santo, na origem dos prejuízos apresentados pelo BES, estão imparidades de 1,2 mil milhões de euros que o banco teve de reconhecer na sequência de um complexo esquema que servia para financiar o GES com dinheiro de clientes do BES, por via de obrigações emitidas e de seguida recompradas pelo banco (ver caixa ao lado).
Este esquema foi descoberto pela KPMG a partir de 11 de Julho, dia em que o BES começou a recomprar as obrigações. Face à recusa do BES em identificar as verdadeiras contrapartes daquelas emissões, o auditor externo ameaçou não assinar as contas semestrais. Face a isto, os responsáveis do departamento financeiro do BES (que estiveram anos sob a alçada de Morais Pires, braço-direito de Ricardo Salgado) terão admitido que se tratava de uma forma camuflada de financiar o GES, alegadamente com contornos criminais. A informação foi de seguida transmitida pela KPMG à CMVM e ao BdP, ainda antes do fecho das contas do semestre. E após a comunicação da auditora, também a CMVM abordou o assunto com o BdP, sabe o Diário Económico.
Nesta altura, era já claro para todos os intervenientes que os resultados do BES no primeiro semestre seriam fortemente afectados por aquelas imparidades adicionais. Por essa razão, sabe o Diário Económico, o BES adiou a apresentação dos resultados semestrais de 25 para 30 de Julho. A dúvida estava apenas no nível de imparidades que teriam de ser reconhecidas pelo BES, não existindo um consenso entre a KPMG e o BdP.
Os auditores reconheceram como imparidade 76% dos 1,5 mil milhões de euros em créditos ao grupo. Já o BdP recomendou aos bancos que têm financiamentos ao GES um provisionamento de 50%.
O comunicado do BdP de 25 de Julho foi divulgado no dia seguinte ao da audição do presidente da CMVM, Carlos Tavares, no Parlamento. Na altura, o supervisor da bolsa avisou que os investidores deveriam estar atentos aos resultados que o BES iria divulgar, porque tinha conhecimento dos problemas detectados pela KPMG. "Penso, também, que haverá mais informação para além desta que está, neste momento, no mercado. Creio que há agora um momento crucial, um novo momento importante, que é o da divulgação das contas semestrais do BES e o respectivo relatório dos auditores, porque entretanto penso que houve mais trabalho sobre isso, inclusivamente, por parte dos auditores do banco", disse Carlos Tavares aos deputados. Não foi possível obter esclarecimentos de fontes oficiais da CMVM, KPMG e BdP, até ao fecho da edição.
TENSÃO
O esquema detectado pela KPGM foi posto em prática no primeiro semestre (até Abril) pela gestão de Ricardo Salgado e Morais Pires. O BES emitiu obrigações de muito longo prazo, a desconto, através da sucursal no Luxemburgo, com uma 'yield' de 7%. Estes títulos foram colocados na ES Panamá. A partir de 11 de Julho, o BES começou a recomprar as obrigações, o que gerou suspeitas nos auditores. A KPMG pediu então esclarecimentos ao BES e à ES Panamá. Quando ameaçou não assinar as contas do semestre, os responsáveis pela operação admitiram finalmente que se tratava de um complexo esquema destinado a financiar as empresas do GES com dinheiro dos clientes do BES. 0 banco teve de registar uma provisão de 1,2 mil milhões de euros relativa à recompra destas obrigações.
Diário Económico | Segunda, 04 Agosto 2014